Na Roma Antiga, Júlio César ascendeu como defensor da república em crise, prometendo ordem, estabilidade e combate à corrupção das elites. Com o tempo, acumulou poderes extraordinários, concentrou funções e dissolveu os freios institucionais — tudo “em nome da salvação da república”. A história é conhecida: o homem que dizia defender a democracia tornou-se imperador (Alexandre de Moraes).
Dois milênios depois, o Brasil assiste a uma narrativa estranhamente semelhante, não no Senado romano, mas no Supremo Tribunal Federal. O protagonista: Alexandre de Moraes — ministro do STF, presidente do TSE, relator de inquéritos, executor de ordens judiciais, censor de redes sociais e, para muitos, o novo César da república brasileira.

Do jurista à toga imperial
Assim como César era um militar e político experiente antes de cruzar o Rubicão, Moraes já havia circulado pelo universo político como secretário de segurança e ministro da Justiça. Sua chegada ao STF, em 2017, foi tratada com desconfiança por muitos, mas ainda dentro da normalidade institucional.
O que se viu nos anos seguintes, no entanto, foi uma transformação acelerada: o ministro passou de um magistrado técnico para uma figura central na condução do destino político do país. Com o argumento de enfrentar ameaças à democracia, assumiu poderes cada vez mais amplos — e cada vez mais solitários.
O Inquérito das Fake News: o Rubicão de Moraes
O marco simbólico da travessia foi o Inquérito das Fake News. Um processo aberto de ofício, sem provocação do Ministério Público, com alvos escolhidos e conduzido pelo próprio relator: Alexandre de Moraes. A legalidade do inquérito foi contestada desde o início, mas, assim como César, que alegava proteger Roma ao cruzar o Rubicão, Moraes dizia proteger o STF e a ordem constitucional.
Desde então, o ministro passou a ditar o ritmo e os limites do que é aceitável na política e na opinião pública. Prendeu adversários, determinou censuras, enquadrou parlamentares, bloqueou redes sociais e intimidou comunicadores — tudo sob a justificativa de defender a democracia da “barbárie” digital e do autoritarismo populista.
As eleições de 2022 e o auge do Império
Durante as eleições de 2022, Moraes atingiu seu auge como figura política. Na presidência do TSE, transformou o tribunal num campo de batalha contra a desinformação. Impôs ordens às plataformas digitais, censurou conteúdos, ameaçou multas milionárias e aplicou punições sumárias a candidatos e canais de mídia.
Sob sua condução, o processo eleitoral foi rigidamente controlado. Se, por um lado, garantiu-se a realização das eleições em paz, por outro, instaurou-se um clima de medo e autocensura incompatível com uma democracia saudável.
Moraes não apenas arbitrou as regras — ele foi juiz, executor e fiscal das urnas. Um verdadeiro “imperador eleitoral”, com autoridade quase absoluta, e com apoio silencioso de parte da elite política, temerosa do caos.

Senado omisso, povo dividido
Assim como o Senado romano hesitou em limitar César, o Congresso Nacional mostra-se tímido — quando não cúmplice — diante da escalada de poder do ministro. O Legislativo, que deveria exercer o controle sobre os excessos do Judiciário, opta pelo silêncio conveniente.
Enquanto isso, a população se divide: de um lado, os que veem Moraes como o salvador da democracia; de outro, os que o enxergam como uma ameaça às liberdades fundamentais. Ambos os lados concordam em uma coisa: ele se tornou poderoso demais para um único homem numa república.
O preço do autoritarismo de toga
A história de César nos ensina que, mesmo os tiranos mais bem-intencionados, ao se julgarem indispensáveis à salvação da nação, frequentemente lançam as bases da tirania. O que começa como proteção da ordem pode acabar como o colapso da liberdade.
A trajetória de Alexandre de Moraes é um alerta. Nenhuma democracia sobrevive à centralização permanente de poder. O Judiciário não foi feito para governar, nem para substituir o Parlamento ou controlar o pensamento público. Quando um ministro se torna o protagonista absoluto da política nacional, o equilíbrio entre os Poderes deixa de existir — e a democracia vira apenas uma fachada.
Conclusão: Quem controlará o novo César?
O Brasil precisa refletir seriamente sobre o caminho que está trilhando. A ascensão de um “César de toga” pode até parecer funcional em momentos de crise, mas abre precedentes que podem ser usados — amanhã — contra qualquer um. O império da lei não pode se transformar no império de um homem.
A pergunta que Roma fez tarde demais, agora ecoa por aqui: quem controlará aquele que diz nos proteger de todos os perigos?